quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Crônica de última hora

A raiz do meu cabelo já está castanha novamente. Minhas pernas estão (eca) sem depilar. Minhas sobrancelhas estão piores do que a de um homem-das-cavernas. Minhas unhas estão enormes e quebrando. Há semanas não sei o que é me divertir e cancelei todos os compromissos de um mês para cá. Isto é o final de um semestre do primeiro mês na faculdade – antes tivesse dado ouvidos ao professor que me falara “entrar é fácil, sair é que é difícil”. Talvez agora eu compreenda as pessoas que se jogavam do 8° andar da UERJ (e mais ainda as pessoas
que deixaram de ir para os bares nas sextas-feiras para ficarem estudando em casa...). Como invejo a coragem de ambos.
Agora chego cá: no antepenúltimo dia de aula, com aqueles 4112 trabalhos para entregar amanhã, mais os 5362 para entregar depois de amanhã, fora a prova. E por amor não sei se à literatura ou se à paixão, paro todos os trabalhos de última hora, sem nem bem saber se
vou conseguir completá-los, para ter minha última atitude irresponsável: escrever esta crônica.
A um tempo venho descobrindo que me apaixono muito facilmente pelas pequenas coisas e que tenho uma leve tendência a gostar demais. Talvez venham me dizer que a gente só se apaixona pelas pequenas coisas – eu diria que a gente só vê as pequenas coisas. Assim como
Hegel condena o “pensa abstratamente*”, creio eu que eu só me “apaixone abstratamente” (aliás, falando em filosofia, vou ignorar aqui o que tomo como paixão e a sua existência ou não existência perante as coisas). Ao contrário do Hegel, porém, eu não creio que
seja possível enxergar o todo, logo, para mim, qualquer um de nós só se apaixonaria abstratamente. Sim, ao falar disso me refiro aos olhos muito e muito azuis daquele
menino, da simpatia daquele outro, da atitude corajosa de um terceiro. Mas a qualquer uma destas características me farão apenas ter a atração, para depois, talvez, me apaixonar (ao observar as outras características), enquanto isto não acontece, eu continuo apaixonada
pelos pormenores – faria loucuras por aqueles olhos, jamais pelo que os possui. Então, muito mais do que isso: a minha paixão de metonímias e o motivo desta crônica se remete a algo maior (sim, tenho total ojeriza a paixõezinhas infantis) e muito mais perigoso.
Estava eu lendo o texto do Friedrich Hegel. Já tinha tido uma aula de filosofia sobre ele e seus pensamentos, mas só agora constatei: este chato é apaixonante. O texto em si era Filosofia da História (por acaso, o curso que faço na universidade), e tínhamos que responder a pergunta “O que é história?” perante a filosofia. Eu já tinha lido as obras (ou parte delas) de outros autores, tal como Nietzsche com suas considerações intempestivas, que nos foram passado. Ainda não tinha pego o Hegel. No dia de fazer o trabalho (no caso, hoje, véspera da entrega) ainda não tinha escolhido. Fui ler as primeiras linhas do Hegel, sabendo que não ia fazer sobre ele, pois é o “filósofo mais difícil de todos os tempos”, e o texto era grande. Li. E me estrepei. Não há a mínima condição de eu ler e pensar e repensar todo o texto dele até amanhã – e também não há condição de eu fazer o trabalho sobre qualquer outro filósofo que for.
Paixão pode ser uma hipérbole minha, e o é. Mas eu deveria agir com a razão e fazer o trabalho sobre qualquer um que eu já tenha lido por completo. Ela não quer me deixar. E este ainda não é, contudo, o pior aspecto da “paixão abstrata” – o perigo real desta é outro, que
não estaria contigo em nenhuma outra paixão. Farei algo agora que Hegel julgava errado: dar um exemplo – dizia ele que ao dar um exemplo, a pessoa aprende o exemplo e não o conceito em si (era algo assim). Mesmo concordando com ele, o farei: O caso não é eu me apaixonar pelo bigodinho do Hitler e perigar de eu me tornar uma nazista por isso. O caso é eu me identificar (e me “apaixonar”) pela ilosofia de que uma raça é melhor do que a outra e perigar de eu me
tornar uma nazista. Veja bem: eu não conheço 0,001% da obra do Hegel. Nada. “Só sei que nada sei”. E gosto apaixonadamente de um aspecto, vejamos, o fato de ele pregar que “todos nós somos saberes absolutos, só não temos consciência disto, e o ter a consciência faz toda a
diferença” (na verdade, eu teria que pensar 10 anos para saber se concordo ou não com esta frase, mas a paixão à primeira vista me impediu). Não posso com isso, tomar esta parte da obra dele como um todo, e me dizer apaixonada por toda a obra dele e por seu autor. Como poderia se em outro aspecto ele considera, até mesmo, os homens superiores às mulheres? (sendo até mesmo o primeiro artigo feminista escrito no mundo com o nome de “Vamos cuspir no Hegel”).
Eu também não gosto de comparação, acho-a pequena e medíocre. Mas eu também acho isto do capitalismo e faço, querendo ou não, parte dele e talvez se eu pudesse escolher entre o capitalismo brasileiro e o socialismo cubano eu escolheria continuar no primeiro. Faço, então,
uma comparação (duas vezes, tendo acabado de fazer uma). Se eu namoro um menino, sou espetacularmente louca por seus olhos azuis, mas discordo dele no fato de ele gostar de matemática e eu odiá-la é uma coisa – isto não prejudicaria um relacionamento, até que se prove o contrário. Mas se eu o namoro, amo seus olhos azuis e discordo do fato de ele ser um skinhead, é outra. Porque o fato de ele ser um skinhead quer dizer que ele tem toda uma ideia sobre poder passar por cima dos direitos dos outros. Creio até que no abstrato hegeliano eu estaria errada, pois não posso definir o que uma pessoa é pelo fato de ela ser skinhead. Tudo bem, Hegel, não estou a definindo só por este detalhe. Só não namoraria mais com ela.
E poderia eu “namorar” com a filosofia hegeliana se ele crê em coisas deste nível, como na submissão da mulher? (isto me soa como um negro judeu brasileiro nazista). Tal é o perigo do se apaixonar abstratamente. Se tomo a parte pelo todo, posso cair em armadilhas que estão no resto do todo que não ouso ver., Penso, então, que eu deva me apaixonar só pelos “olhos azuis” (aqui tomados como um pensamento em si) não importando todo o resto. Assim, ao menos, eu namoraria os olhos azuis, e não a pessoa apenas por seus olhos azuis. Isto funciona
pouco para a pessoa a se namorar (por razões óbvias a menos que amor platônico) e funciona menos para a filosofia: nada existe sem contexto e todo homem é filho do seu tempo.
Termino esta crônica aqui. Seja pelos meus pensamentos que começam confusos e terminam ainda mais, seja pelo método platônico de não responder uma pergunta, disfarço qual for a razão e, mais ainda, o meu desconhecimento dela, com a razão que completa a própria crônica e
seus erros: a de que tenho 9474 trabalhos para entregar e não tenho mais tempo de disfarçar a frustração com arte.


*para Hegel, pensar abstratamente é pensar parcialmente, pensar a
parte e não o todo: “Pensar abstrato significa isto: ver no assassino
somente o fato abstrato de que ele é um assassino e, através dessa
simples qualidade, anular toda a essência humana ainda remanescente
nele”.

Agradecimentos ao professor Charles Feitosa.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pensamentos após um semestre com a História

Pensamentos após um semestre com a História
Você também já percebeu que jamais poderá avistar a si próprio, a realidade do seu próprio rosto? Logo seu rosto, sua cara, o algo de mais identificador em você, a sua face. O máximo que conseguirá é uma invertida imagem em um espelho que, mesmo que não fosse invertida, seria ainda assim só uma imagem - que é tudo quando nada mais se tem aos olhos, mas que não passa de uma representação gráfica.
Sim, eu poderia ficar horas aqui divagando sobre o quanto o toque pode ser mais completo do que a visão, mas isso seria uma digressão perante a crônica. Além do que, são tantas as pessoas a todo tempo que tocam rostos alheios mas nunca o seu próprio...
É. O alheio. O outro. Enquanto em toda sua vida em nem por um momento você pode ver seu rosto, a todo tempo você enxerga o dos outros. Quando o outro te enxerga, obviamente não quer dizer que ele te conhece mais do que você mesmo, mas concorda-se que ele vê, sem dúvidas, algo impossível aos seus próprios olhos, que não enxergam por esta falta de visão que é o conjunto do hábito com a acomodação.
Quantas coisas, tal como o rosto, os outros vêem em nós, e nós mesmos não vemos! Em seis meses de contato com a História, o que pude aprender de essencial para a vida é o respeito e o conhecimento do alheio, porque é, então, no outro que podemos nos enxergar e nos reconhecer: Se você chega a um povoado em que se usa roupas feitas de plástico, estranhará mas, ao mesmo tempo, se perguntará o porquê das nossas serem de pano. Assim como o estrangeiro de Diderot que tanto condenou o incesto e foi questionado pelo vivente da terra em que estava: como Adão e Eva e seus filhos povoaram o planeta?
Questionar as verdades. Duvidar do induvidável. Reconhecer-se no outro. Foi fácil se apaixonar, mas a minha jornada com ela será longa, como um casamento que eu pretendo, mesmo com todas as brigas que virão, jamais desmanchar.